09 - Se recarregue, sair de casa só com bateria cheia - ADD Clara em Nieves

Sair de casa sem bateria cheia no telemóvel é quase dar um tiro no pé nos dias de hoje. Uma das rodas de conversa que mais gosto de ter é sobre a diferença entre a hotelaria de antes da internet para a de agora, é muito emocionante reparar como o setor de hotelaria que nos dias de hoje mesmo com a tecnologia é um caos e as conversas do mesmo antes da internet chegam a ser scripts prontos de comédia pois não conseguimos entender como as coisas funcionavam sem internet, telemóvel e etc.

Mas não é sobre trabalho que eu gostaria de escrever hoje, é sobre mais um daqueles pensamentos insanos, que acredito que todos devemos ter, ao comprar coisas novas. Um exemplo: sai nesta ultima semana comprar roupas e acabei me encantando com um par de tênis bem simples mas próprios para exercícios, e fiquei alguns minutos imaginando aonde aquele par de tênis iriam me levar. Por um bom intervalo de tempo imaginei algumas peças de vestuário que já tive e usei por muito tempo e por quantos lugares já passei com elas e quantas memórias tive com elas também. 

Adquiri estes tipos de pensamento quando comecei a fazer drag e imaginava quais festas e quais eventos faria com aquelas perucas, roupas, maquiagens e etc. A arte drag me fez perceber o quão importante é você proporcionar uma experiência visual as pessoas que passam na sua rotina, dar a elas a percepção de você cansado, feliz ou disposto.

Foi com a minha arte, que considero parte da minha contribuição para o mundo e como produto, que me senti como um destes objetos que mencionei a vocês. No bom sentido me recordo de um dia em que atendi a uma festa no interior do estado de São Paulo na cidade de Limeira, e este foi um dia muito memorável para mim pois foi uma das minhas primeiras performances e em uma casa noturna havia mais de 500 pessoas ! 

Neste dia me dediquei muito a minha maquiagem e estava com um dos meus maiores cabelos (infelizmente não possuo registros nítidos deste dia, apenas o vídeo da performance que foi muito mal filmado mas que me arranca boas risadas até hoje, quem quiser ver aqui está o link) e dava para enxergar de longe. 

Ao finalizar a minha performance desci encontrar com alguns amigos e fiquei em drag por um tempo ainda, então as pessoas chegavam até mim o tempo todo para parabenizar e algumas fotos. Até um certo momento que observo um menino novo, acredito que com seus 18 anos, aos prantos e se aproximando aos poucos com mais duas amigas. As primeiras palavras que ele havia dito a mim eram "fui expulso de casa, queria ter a confiança que você tem de sair linda assim, eu fui expulso por conta do meu brinco, meu pai não gosta de gays". Me recordo até hoje até da cor dos olhos do menino, cheios de água. 

Na situação de estar em uma festa não sinto que soltei as melhores palavras, mas a experiência me marcou muito. Como alguém da mesma idade que eu, frequentando o mesmo espaço, mesma região e até mesmo círculo de amizade parecido que estava naquela situação ? 

Uma das primeiras vezes que na vida adulta entendi os caminhos tortuosos que as coisas e experiências são ainda mais diversas do que somos capazes de imaginar. 

As vezes escolhemos sapatos errados que nos levam a experiências ruins, mas vale o lembrete de que estes mesmos sapatos nos protegeram de pisar diretamente no chão e nos machucarmos. Sigo esperando que meus textos ajudem sempre, ao menos em um momento pequeno do dia, que forem capazes a fazer você leitor comprar e vestir os melhores sapatos possíveis.


Pensei muito e quase cometi o erro que meu amigo Stevan me alertou antes de publicar este texto de hoje, reli algumas vezes e quis mudar muitas coisas. Enquanto estava brigando comigo para publicar da forma que digitei escutei esta música aqui, e acho que vale relembrar depois 14 anos como algumas músicas descrevem muitas coisas que sentimos, e no caso escrevemos.

Boa semana.


Comentários